Dois anjos no Hospital Felício Rocho

Por Valdir de Castro Oliveira*Jornalista e paciente de hemodiálise do Hospital Felício Rocho

Conheci Elizângela de Oliveira Santos, a Lu, e seu irmão Luciano Henrique dos Santos por volta de 2015 no Hospital Felício Rocho no Setor de Hemodiálise da Rua Aimorés no bairro Prado quando ela começou a fazer tratamento de hemodiálise, tratamento que eu também fazia neste mesmo local desde 2005.

Nestes dias ela chegava ali sempre acompanhada por seu fiel escudeiro, o seu irmão Luciano.
Eles se pareciam e combinavam tanto um com o outro que muitos de nós achávamos que eles eram irmãos gêmeos, embora não fossem!

Muitas pessoas achavam que os dois irmãos eram gêmeos um do outro. Mas eram simplesmente irmãos!

Nesta toada, dia sim, dia não, nós nos submetíamos a sessões de hemodiálise do terceiro turno daquele setor, ou seja, de 17h às 21h.

Eu sempre chegava a portaria desse setor um pouco mais cedo e logo me juntava a outros pacientes que recebiam este mesmo tratamento formando uma roda em torno do carrinho de um vendedor ambulante, o Wagner que, fazendo chuva ou sol, desde 2005 ali comparecia para vender picolés, balas, pipocas e outras guloseimas que serviam para adoçar as bocas dos pacientes que se preparavam para entrar para as nossas longas sessões de hemodiálise.

Mas, mais que um vendedor, ao longo dos anos, Wagner se tornou amigo desses pacientes conversando sobre diversos assuntos, como futebol, política, o tratamento e a situação de cada um ou sobre a loteria da Mega-Sena, principalmente quando ela estava acumulada.


Os jogos da esperança
Quando a Mega-Sena acumulava, o Tião (Sebastião), paciente do terceiro turno, sob a supervisão da Katia, também paciente de hemodiálise, se ofereciam para fazer um bolão com a contribuição de cada um e em seguida, alegremente, os dois recolhiam o dinheiro de cada para formar um bolão.

Na sexta-feira os dois fechavam este bolão e, no sábado, o levava a uma loja de jogos e passavam a esperar ansiosos o sorteio da Mega-sena que seria realizado na noite deste mesmo dia. Mas antes disso, ainda na sexta-feira, Tião se despedia de todos avisando que o dinheiro do prêmio que supostamente iriámos ganhar seria dividido na segunda-feira.

Mas, em tom de pilheria, alguns diziam que caso o nosso bilhete fosse vencedor, o Tião pegaria rapidamente o prêmio do sorteio e compraria uma passagem de avião para e viajar para bem longe de todos, quem sabe para o Paquistão, Portugal, Japão, Rússia ou para a China onde passaria a usufruir sozinho o resultado do prêmio, comentavam todos rindo em tom de brincadeira.

Mas ao longo dos anos o certo é que nunca ganhamos este grande prêmio. Mas, para consolo de todos, quando certa vez a Mega-Sena estava acumulada, fiz um jogo que foi incluído nesse bolão.

Na segunda-feira a Katia, toda alegre, chegou dizendo “que havíamos acertado a quadra com a aposta do Valdir”!!!! E alegres dividimos os trocadinhos desse prêmio entre os apostadores do bolão!

Embora nem a Elizângela e nem o Luciano, o seu irmão, um atleticano doente, nunca jogassem, eles desejavam boa sorte a todos e, neste momento a Elisângela escancarava o seu sorriso sempre alegre que trazia em seu rosto sugerindo muita sorte e paz para todos.

Elizângela e o cotidiano da hemodiálise
Mas muitas vezes Elizângela chegava ali debilitada e, apesar disso, nunca deixava de ostentar o mesmo sorriso alegre que sempre trazia estampado no rosto fazendo coro com a eterna simpatia do irmão.

Enquanto ela aguardava o momento de entrar para o tratamento de hemodiálise, Luciano se transformava em uma espécie de porteiro ou de anjo informal na portaria do setor recepcionando outros pacientes que chegavam ali de carro, principalmente idosos ou cadeirantes com dificuldades de locomoção. Com muita boa vontade ele ia ajudando uns e outros enquanto a Elizângela ficava perto da turma reunida em torno do Wagner, o vendedor ambulante, aguardando o seu momento de entrar para a sua sessão de hemodiálise.

Luciano e Elizângela

Luciano e Elizângela moraram com os pais por muito tempo em uma casa no bairro Ipiranga onde foram criados. Mas com a morte da mãe, o pai passou a cuidar deles, mas em 2015 eles foram despejados da casa em que moravam e foram morar no bairro Eymard.

No dia 28/08/2019 o pai, aos 89 anos, morreu deixando-os órfãos.

Esperanças e desencontros diante da vida
E nos encontros e desencontros com a vida, os dois tinham como ganha-pão um negócio da confeitaria onde fabricavam bolos sob encomenda: “Nós éramos autônomos tínhamos uma pequena fábrica de bolos gelados”, explicou Luciano.

Mas mesmo quando Elisângela apresentou problemas de insuficiência renal em 2015 e foi obrigada a fazer hemodiálise três vezes por semana, os dois continuaram a exercer essa atividade de fabricação de bolos e que, apesar de todos os percalços que a vida lhes reservou, nenhum dos dois perdeu o gosto pela vida.
Evangélicos, desejavam o bem de todos louvando a palavra do Senhor pelo simples fato deles e de outras pessoas poderem usufruir da vida.

Mas em 2019 Elizângela foi diagnosticada com câncer de mama e, embora não tivesse de tirar a mama, como comumente acontece nesses casos, ela deu início ao tratamento enquanto continuava a fazer, simultaneamente, sessões de hemodiálise três vezes por semana, tratamentos estes que muitas vezes a levou a ser internada no hospital deixando-a bastante debilitada.

E, nessa toada, ela chegou a fazer 18 sessões de radioterapia mas que, como informou Luciano, “Graças a Deus, não precisou de tirar a mama, além de ter vencido este câncer!”.

A mão do destino
Apesar de tudo isso, Elizângela continuava a ostentar o mesmo sorriso alegre e esperançoso que sempre trazia estampado em seu rosto, no que era seguida por seu fiel escudeiro, o Luciano, que igualmente repetia este mesmo comportamento da irmã.

Mas depois de oito anos de sessões de hemodiálise, iniciadas em 2015, no dia 09/01/2023, debilitada, Elisângela encerrou este ciclo com sua morte aos 49 anos, tendo sido sepultada quando ia completar 50 anos, ou seja, no dia 11/01/2023. “Eu a sepultei no dia do seu aniversário”, explicou Luciano.

Mas, apesar da morte da irmã, faça chuva ou faça sol, Luciano continua a comparecer diariamente a portaria do Setor de Hemodiálise do Hospital Felício Rocho na Rua dos Aimorés.

Lá, ao lado do Wagner, o vendedor de picolés e de guloseimas, ele fica aguardando a chegada dos pacientes.

0Como conhece a todos, ao chegarem ele os cumprimenta com desabridos sorrisos se prontificando, imediatamente, a ajudar aqueles com dificuldades de locomoção, principalmente os cadeirantes, a descerem dos carros e depois levá-los para locais mais confortáveis até que sejam chamados para a realização de suas sessões de hemodiálise.

Parabéns Luciano por este comportamento solidário!

E a você Lu, seja onde estiver agora, obrigada pela alegria esperançosa que sempre nos proporcionou ao longo de sua vida!

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