Fomos crianças, seremos idosos
Opinião
Por João Flávio Resende
Dia 15 de junho é o Dia Mundial de Conscientização sobre a Violência contra a Pessoa Idosa. A passagem da data me fez mergulhar em alguns textos e estatísticas sobre o tema. Afinal, tenho pai e mãe idosos e me tornarei um daqui a dez anos. Tudo que li me deixou extremamente triste e angustiado, mas me inspirou a escrever as linhas que se seguem.
Os avanços da medicina, o aumento da expectativa de vida e o fato de as famílias terem cada vez menos filhos provocaram o gradativo envelhecimento da população como um todo. O Estatuto do Idoso, lei brasileira de 2003, traz uma série de direitos e garantias para os maiores de 60 anos, como atendimento preferencial, além de reforçar os direitos e garantias fundamentais já determinados pela Constituição Federal. Empresas ligadas ao turismo já identificaram esse filão no mercado e oferecem viagens e passeios voltados a esse público. Há uma especialidade médica dedicada à terceira idade, a geriatria. E, mesmo com tantos avanços, não melhoramos nossa relação com os nossos ascendentes.
Houve grande aumento de casos de violência contra idosos desde quando começou a pandemia do coronavírus. O maior tempo de convivência diária em casa potencializou uma triste realidade que já existia. E a violência acontece de várias formas: agressão física, agressão psicológica, uso indevido de bens, de dinheiro ou de crédito de idosos, abandono, negligência.
Com o passar do tempo e com o avanço da idade, devido a problemas de saúde e mesmo ao processo natural de envelhecimento, vamos perdendo nossa capacidade produtiva e, junto com ela, o que podemos chamar de utilidade. Infelizmente, são muito comuns os xingamentos a idosos, com frases como “você só dá trabalho, não serve para nada”. Esse aspecto da utilidade das pessoas é muito considerado para determinar o valor delas, lamentavelmente. O amor, o reconhecimento a uma vida inteira de trabalho e dedicação, a gratidão, o carinho por parte de quem deveria cuidar bem dos idosos, acabam por ficar em segundo plano ou mesmo não existem.
Por mais trabalho que alguns idosos deem, nunca poderíamos deixar de considerar tudo que representam. Tudo que temos construído em nossas vidas passou pelas mãos e pelas mentes de quem nos antecedeu. Nossas cidades, desenvolvimento de tecnologia, da medicina, das ciências em geral, construção do conhecimento, desenvolvimento de habilidades e competências, enfim, toda a evolução, tudo que temos. Sem falar na memória, no desenvolvimento da nossa cultura, na constituição das nossas famílias e nações, nas tradições que atravessam gerações, nos costumes, rituais… Então, por que negamos tudo isso? Por que relegamos nossos idosos ao desalento, ao esquecimento, por que não os valorizamos como merecem?
Uma música que marcou minha infância, gravada pela dupla Chitãozinho e Xororó, “Pais e filhos”, tem dois trechos dos quais sempre lembro. “O homem esquece que já foi criança e que um dia será um velhinho também”, “Eu sei que é tão difícil ser pai e ser filho, crianças e velhos não são empecilhos, são passos do homem na estrada da vida”. É assim mesmo: começamos a vida frágeis e dependentes e, quando temos a graça de chegar à velhice, vamos viver novamente essa fragilidade e dependência, mas agora tendo atravessado toda uma jornada, tendo crescido, evoluído, trabalhado, estudado, construído patrimônio, carreira profissional, constituído família, tido filhos, netos, bisnetos… Confesso que tenho muito medo de ficar dependente (e tenho certeza de que não sou o único que teme isso), mas faz parte da vida. E a única maneira de não ficar velho é morrer novo.
Cuide bem dos seus idosos. Você também chegará lá.