Por Leice Maria Garcia
A corrupção integra, junto com religião e ideologia, uma tríade de manipulação da população nessas eleições por parte de uma das candidaturas. Vamos tentar contribuir para clarear um pouco sobre este assunto.
Muito antigamente, considerava-se que corrupção era problema de cultura. Em meados do século passado isso começou a mudar. E uma cientista-política denominada Rose-Ackerman, fundamentada em teorias econômicas, estabeleceu a interpretação sobre corrupção que. ainda hoje, é a mais dominante: trata-se de atos e ações que dizem respeito ao abuso das funções públicas, a desvio de recursos públicos e ao uso ilegítimo de influência política por agentes na interface público-privado.
Passou a prevalecer a ideia de que a corrupção é coisa de oportunistas e de agentes desonestos. Por isso, os estudos de corrupção passaram a focar nos efeitos e riscos do auto interesse dos agentes. Passou-se a acreditar que esses problemas poderiam ser minimizados por regulação e fiscalização adequadas, ou seja, incentivos positivo e negativo. Com base nessas ideias, a partir dos anos 90, instituições internacionais, especialmente o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) estimularam reformas no setor público, notadamente em países da América Latina, África e Leste Europeu, com foco no combate à corrupção.
Após mais de 20 anos, pesquisas recentes mostram o fracasso dessas iniciativas. A conclusão é que, em sociedade em que há presença importante da corrupção como estratégia da ação dos agentes, não há a predominância do agente interessado no bem público. Os agentes não têm incentivo para frear as práticas corruptas. Isso torna as reformas fundamentadas em controle de corrupção profundamente ineficazes quando aplicados para os países caracterizados por corrupção sistêmica.
Assim, não foi surpresa quando Mungiu-Pippidi, assumindo a corrupção sistêmica como antítese da ética universalista de produção e entrega do bem comum, promessa do Estado Moderno, considera a corrupção sistêmica como problema de ação coletiva, ou seja, como problema de sociedade. A autora classifica os países em 3 tipos: democracias universalistas, democracias particularistas e governos autoritários.
As democracias universalistas são a minoria, contemplando apenas 17% dos países do mundo. Elas conseguem entregar o bem comum de forma relativamente abrangente, com adequado controle da corrupção. Já 24% são governos autoritários (ditaduras, tanto de direita, quanto de esquerda) apresentam situação muito perversa. Os cidadãos não terem garantia de acesso ao bem comum, à justiça e a corrupção é extremamente elevada. O terceiro tipo são as democracias eleitorais. Representa uma maioria dos países, cerca de 58%. Nesses países, a população pode votar, mas as elites (econômicas, políticas, burocráticas, intelectuais etc.) se caracterizam por práticas que lhes garantem a manutenção dos seus privilégios, dentro e fora das regras do jogo oficial do Estado. Elas se apropriam, de forma desproporcional, de recursos públicos, em detrimento da população em geral.
Interessante ver que essa classificação tem forte correlação com indicadores de bem-estar social e igualdade. Estudando esse assunto em 2018, verifiquei que os países universalistas apresentam IDH elevado e adequado nível de igualdade social. Dentre as democracias particularistas, apenas 16,5 % apresentam IDH muito elevado e apenas uma minoria tem desigualdade social sob controle. O Brasil, classificado como país particularista, como democracia eleitoral, apresentava um IDH de 0,754 e Gini de 51,1, o que coloca a sociedade brasileira entre as posições de maior desigualdade do mundo. Já para os países classificados como autoritários, apresentava IDH muito elevado e para 44,4% não há sequer informação disponível sobre desigualdade social.
Conclusão, a corrupção é assunto muito sério para deixarmos que uma das candidaturas, neste pleito eleitoral, ganhe votos com uma narrativa falseada. O assunto é sério e devemos buscar discuti-lo para encontrarmos uma solução adequada, enquanto sociedade.
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